quarta-feira, 31 de agosto de 2016

MINHA CRÔNICA:

A conta vai ficar salgada...

Antes do surgimento da moeda, o pagamento pela execução de um trabalho era feito com mercadorias, como animais abatidos, sal e peles. A palavra salário derivou de pequenas porções de sal destinadas ao pagamento dos soldados na Roma antiga, pois descobriu-se que esse mineral ajudava na cicatrização, além de conservar e dar sabor à comida. Os romanos consideravam o sal uma dádiva de Salus, a deusa da saúde e, portanto, um alimento divino.

Sendo assim, tempos depois convencionou-se que o pagamento de salário aos trabalhadores seria por períodos semanais, totalizando anualmente 52 semanas, ou 13 períodos de quatro semanas. Como em alguns lugares a remuneração era feita mensalmente, devido aos 12 meses do ano, foi criado o chamado “13º salário”, como forma de compensação dessas quatro semanas trabalhadas e não efetivamente remuneradas pelo empregador.

Dessa forma, muitos empresários se aproveitaram da falta de informação da esmagadora maioria dos trabalhadores e sempre “venderam” (eles são mito bons nisso) a ideia de que o pagamento do 13º salário seria quase “um ato de caridade” do segmento patronal. Vale destacar que não se trata de uma opinião pessoal, mas de dados baseados em acontecimentos históricos incontestáveis.

Reforçando como “generosidade” dos detentores do poder econômico, órgãos de imprensa agora disseminam levianamente a tese de que o pagamento de 13 meses efetivamente trabalhados poderia, pasmem, “onerar e elevar os custos”, o que impactaria, assim, no preço final do produto. Ao invés de informar, a grande mídia atualmente está mais preocupada em deformar, ou “formar a opinião pública”, e para tanto não recebe simplesmente pequenas porções de sal, como outrora, mas considerável compensação financeira de empresas patrocinadoras, capaz de dar "mais sabor" aos interesses das grandes corporações.

Convém ressaltar que o valor destinado aos pagamentos de empregados não é a único fator a ser considerado para o cálculo do custo final de produção. Aliás, em muitos casos não representa uma porção tão significativa, como sempre se pretende fazer acreditar. E dentro dos valores que transitam pela Folha de Pagamento, esse “um treze avos” representa uma fração ínfima dentro do montante movimentado pelas empresas.

Além do mais, estudos revelam que, dentre os motivos que levam empresas à falência, os principais são: confusão de gastos particulares com gastos da empresa, investimento errado, ausência de controle, inexperiência e retiradas efetuadas pelos sócios muito superiores à realidade da empresa. Em nenhuma estatística (repito, NENHUMA) a falência se deve ao quesito Pagamento de Salários. Esses estudos foram feitas por diversas entidades e são facilmente encontrados no Google, nas mais diferentes fontes.

Portanto, os empresários não são “senhores da benemerência” quando geram empregos e nem são “vítimas do mercado” por eventuais falências, fato fácil de ser constatado pelos dados decorrentes de pesquisas. Embora as micro e pequenas empresas também passem por momentos delicados, curiosamente, em muitos casos quando a Pessoa Jurídica quebra, independente do porte, os sócios nem sempre ficam entregues à própria sorte, diferentemente com o que sempre acontece com os trabalhadores quando são demitidos.

Os avanços trabalhistas que existem atualmente são resultado de conquistas que atravessaram séculos e foram fruto não somente de muito suor, mas, literalmente, muito sangue. Inúmeras mortes ocorreram na busca de dignidade. Muitos homens foram assassinados em confrontos trabalhistas, mulheres morreram queimadas em nome da igualdade, e menores, entre outros desfavorecidos, também sofreram violência na busca de um mínimo de humanidade.

Assim, ao invés do recebimento de 13 salários por 13 semanas trabalhadas, algo matematicamente fácil de se comprovar, grupos de políticos, que sempre estiveram a serviço do poder reinante, agora insistem na ideia de que os trabalhadores brasileiros devem trabalhar 13 períodos semanais por ano, mas serem remunerado por apenas 12 deles. Sem dúvida, um brutal retrocesso, que nos remete ao período de regime escravocrata.

Em mais de 40 anos no mercado de trabalho, desconheço qualquer empresa que fechou as portas exclusivamente em razão da Folha de Pagamento, justamente o primeiro item a ser afetado por gestão incompetente. Fica, ainda, o desafio para que alguém aponte uma única empresa que foi à falência por efetuar regularmente o pagamento do décimo terceiro salário. Mais uma vez, não é opinião; é estatística. No entanto, não vai parar por aí o fim de direitos conquistados.

Outra questão relevante é que a arrecadação de tributos também recai sobre os 13 salários. Sendo assim, para que se mantenha o nível de arrecadação atual, que dizem ser insuficiente, será necessário aumentar os impostos incidentes sobre os somente 12 salários a serem pagos. No caso de um “necessário” aumento de arrecadação, conforme fazem questão de alardear, mais impostos incidirão sobre menos salários. Matemática pura.

Mas existem detalhes que a imprensa omite e, por silenciar, faz de conta que não existem. Muito embora a mídia tendenciosa tenha focado de maneira uníssona na questão da corrupção (e ela não é de agora não) como sendo a única vilã pelas dívidas dos governos federal, estaduais e municipais, a verdade é que a parte maior do rombo se deve a empresas que sonegam impostos, fato esse que o assalariado não consegue fazer, uma vez que tudo é descontado dele já no próprio contra cheque.

Além da sonegação, uma parte significativa das empresas simplesmente não paga. E pronto, fica por isso mesmo. Simplesmente assim. Para se ter uma ideia, o valor que deve um único empresário é maior do que a dívida dos estados da Bahia e de Pernambuco (Revista Exame). Sim, o empresário Laodse de Abreu Duarte deve, acreditem, R$ 6,9 bilhões e é diretor da FIESP, não por acaso, entidade que pressiona pelo fim do décimo terceiro salário, entre outros direitos trabalhistas. Mas a imprensa habilmente se cala, para não ferir a sua “galinha dos ovos de ouro”. Não se preocupem, ninguém vai às ruas por esse “motivo insignificante”, não é mesmo?

Não somente Associações de Empresas muito bem organizadas, também determinados grupos políticos, já conhecidos “de outros carnavais”, prometem que estão agindo em nome do “bem geral da nação”. Isso nos remete a uma frase do escritor francês Antoine Rivarol, do século XVIII: “Quando um malvado faz o bem, pode-se julgar por tal esforço todo o mal que está preparando”. Ou, ainda, a outro escritor, o português Pedro Chagas Freitas: “O mais cego não é o que não vê; nem sequer é o que não quer ver. O mais cego é o que só vê”.

Para usar uma palavra que ainda está em voga no momento, as pessoas só se darão conta do que vem por aí quando notarem que foram “golpeadas” no bolso, pelo mesmo grupo de políticos que, “coincidentemente”, criou o tal “Fator Previdenciário” e transformou valores decorrentes de direito adquirido” em míseras migalhas (também chamadas de “benefício”), depois de uma vida inteira de contribuição. Aí dirão, por certo, que foram traídos. Traídos, não! Apenas continuam a sua sina de se manterem sempre distraídos.   

Engana-se quem pensa que os movimentos populares, consentidos nos últimos anos, serão tolerados quando motivados por eventuais lutas na recuperação de uma série de direitos, prestes a serem retirados. O chamado “canto das ruas” será substituído pela sinfonia de cassetetes, em dó maior (mas sem dó), que dirão ser “para manter a ordem pública”.

Concederam ao povo desavisado o status de “protagonista de mudanças”, mas novamente ele não se deu conta de que não passou de “massa de manobra”, a serviço dos interesses de sempre. Foram utilizados como uma espécie de marionetes pelo poder econômico. O cenário atual é somente o prenúncio da tempestade que se avizinha. E vem com um volume de água capaz de consumir o pouco de “sal” que ainda resta.

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TEXTO: Paulo Cesar Paschoalini
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COMENTÁRIO: A imagem, muito pertinente ao assunto abordado, é de um cartum publicado no site (ou blog) português “aventar.eu”, que ilustra o texto intitulado “Sim miserável, a culpa é tua”, indicado na página como sendo de autoria de João Mendes, publicado em 05/02/2016, e que pode ser acessado pelo link: https://aventar.eu/2016/02/05/sim-miseravel-a-culpa-e-tua/#more-1246046. Porém, não é mencionado de quem é a ilustração.
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