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sábado, 20 de março de 2021

MINHA CRÔNICA:

Luzes que vagam na lembrança .


 

_____Desde o início deste ano tenho me lembrado com frequência da casa onde nasci. Uma casinha bem simples, construída no fundo de um terreno, e que tinha apenas três cômodos. Sala, cozinha e um único quarto, com um banheiro do lado de fora, próximo a um pequeno rancho que abrigava o tanque de lavar roupas.

_____Ficava na última rua do bairro, sem asfalto. Para dar mais “segurança”, uma cerca de bambu foi “edificada” na frente da casa, a poucos metros do acanhado terraço da sala. O chão de todos os cômodos era de tijolos e no alto as telhas eram visíveis, pois não havia forro. Isso quer dizer que no verão o interior da casa era “um forno” e no inverno as frestas não davam conta de segurar o vento frio, se muito forte.

_____Moramos nela até quando eu tinha pouco mais de seis anos e depois mudamos para uma nova casa na frente do mesmo terreno, dessa vez com todo o “luxo” de se ter quatro cômodos; ou seja, um dormitório a mais. Desse modo, deixamos de habitar uma casinha de fundo, para viver numa outra em que um vitrô e uma janela tinham a calçada por companhia. A rua continuou sem ser pavimentada ainda por mais algum tempo.

_____Apesar das dificuldades, tenho muita saudade de como a vida era simples. Sem ter aparelho de televisão, ao anoitecer a simplicidade convidava as crianças a olharem para o céu e observar as estrelas. Ou, então, admirar as “estrelas voadoras”, querendo iluminar as verduras da pequena horta, ou esparsas margaridas na cabeceira dos poucos canteiros.

_____Era maravilhoso ter alguns singelos pontos brilhantes, numa época em que não era comum instrumentos portáteis, pois o uso de objetos com pilhas ainda era uma raridade para o poder aquisitivo da maioria. Para clarear aqui ou ali, era preciso servir-se com cuidado de uma lamparina com querosene. Tarefa essa destinada a um adulto, é claro!

_____Desse modo, numa atmosfera de luzes tímidas e escassas, ali diante de nossos olhos, podíamos ver o bailado encantador de alguns vagalumes. Depois de crescido vim saber que também são conhecidos como pirilampos. Mas porque agora fui me lembrar de vagalumes?

_____Curiosamente (mas foi muita coincidência, mesmo!), numa dessas noites da semana passada, vi no chão da minha cozinha um inseto, com todas as características de um vagalume. Cheguei a ficar em dúvida, mas o menino que mora dentro de mim afirma categoricamente tratar-se de um vagalume.

_____Minha filha nunca viu um deles e, por essa razão, pensei em chamar ela e minha esposa, mas desisti. Como em nenhum momento o inseto esboçou qualquer sinal de luz, parecendo não estar portando sua “lanterna natural”, tudo que fiz foi recolhê-lo com cuidado numa pequena recipiente e colocá-lo próximo a algumas plantas, no pequeno jardim do lado de fora.

_____Logo depois de entrar e fechar a porta, o olhar percorreu o ambiente onde moro e um “filme” passou rapidamente pela minha mente. De uma residência de três cômodos, para uma casa com mais conforto. No interior dessas paredes, objetos que simbolizam alguns sacrifícios e alegrias de se chegar até aqui.

_____A diferença também podia ser percebida no lado de fora. Foquei o olhar na direção do lugar escuro em que tinha deixado o vagalume e tentei buscar pelo menos um mínimo de luz, mas não vi nenhum vestígio.

_____Tornei a recordar da casinha onde nasci. Apensar de não morar mais nela, constatei que ela continua a morar dentro de mim. Lembrei também das luzes dos vagalumes e de toda a magia que elas continham.

_____Mas somente agora me dei conta da intensidade delas. E de tão intensas, atualmente chegaram a provocar certo incômodo nos meus olhos, a ponto de verterem algumas gotas de saudade para aplacar o ardor de lampejos intermitentes, de um tempo que repousa num canto qualquer da memória.


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AUTORPaulo Cesar Paschoalini
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 < CURRÍCULO LITERÁRIO E PREMIAÇÕES > 
COMENTÁRIO: O texto foi publicado no blog da "Revista Vicejar" em 20.03.2021, onde o escritor possui vários textos de sua autoria, atuando como Colaborador do blog e do site. Para ler mais acesse:

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4 comentários:

  1. A todos nós de vez em quando nos bate aquela saudade da casinhos ( ou local ) onde nascemos e/ou vivemos e crescemos. Também tenho saudade daquela casinha modesta onde nasci e vi até aos 11 anos de idade.
    Gostei muito de ler.
    .
    Feliz fim-de-semana
    Abraço
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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    1. Sim, todos temos saudade da nossa infância, mesmo tendo morado me casas simples, que continuam morando dentro de nós. Grato pelo seu comentário e tenha um excelente dia. Um abraço!

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  2. Maravilhoso. Saudosas lembranças. É sempre bom!
    *
    Entre o silêncio das palavras
    *
    Beijo, e um excelente fim de semana.

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    Respostas
    1. É sempre muito bom sentir saudade das coisas boas que ficaram, especialmente da infância. Minha gratidão por mais esse comentário. Um excelente dia pra você!

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