E não
é que de repente todos passaram a se preocupar com o meio ambiente!? Ou, pelo
menos, quase todos. Para que isso fosse possível, foi necessária a iminência da
instalação de uma usina termelétrica nas imediações de Piracicaba, para subir
de vez a temperatura da opinião pública.
O assunto do momento é a virtual instalação
da malfadada usina, que desde já vem tratando de produzir energia suficiente
para gerar uma certa polêmica. É bem verdade que a maioria da população não dispõe
de dados necessários para dar um parecer acerca do assunto, mas, mesmo assim,
muita gente faz questão de se informar para poder emitir a sua opinião e isso
eu vejo de uma forma muito positiva. Se essa usina termelétrica for capaz de
despertar a consciência da população para questões ecológicas, que até então
eram vistas apenas como modismo, já terá cumprido o seu papel.
Apesar das pessoas em geral não terem
conhecimento técnico suficiente para falar sobre o assunto, o que chama a
atenção é o bom senso daqueles que se posicionam de forma contrária a
instalação da tal usina. Pessoas que, assim como eu, conheceram um rio
caudaloso no passado, hoje se deparam com um leito que conduz águas escuras e
silenciosas, sem forças para levarem para longe a insensatez daqueles que, sob
os mais variados pretextos, insistem em interferir no curso natural das coisas,
sem se preocupar com consequências futuras.
Muito próximo das margens do rio Piracicaba, são lançados esgotos domésticos e resíduos industriais das mais variadas
origens, deixando peixes e outros seres vivos sedentos por um pouco de águas
claras, que estão prestes a serem novamente subtraídas. Em seu leito a vida já
não vem encontrando mais condições para se desenvolver e, a continuar assim,
tudo que ali existe estará caminhando em direção a morte certa. Os peixes de
muitos quilos só são pescados na memória daqueles que conheceram um rio, que foi
fonte de inspiração para muitas músicas que enalteciam a sua beleza, mas hoje, infelizmente, agoniza.
Pessoas ligadas às mais variadas entidades
vem se mostrando preocupadas com a natureza e isso é muito salutar. No entanto,
o engajamento nessa luta pela vida não tem sido visto por parte de um segmento
fundamental da sociedade. Boa parte das religiões tem adotado uma postura de
neutralidade diante desse problema crucial, numa clara atitude de que “isso não
é comigo”. Claro que é!
Não digo que as religiões devam apenas opinar
com relação a instalação ou não de Carioba II. Não me refiro somente a essa
ação específica, mas sim a uma atitude mais abrangente visando despertar a
consciência para com o meio ambiente e a preservação da natureza de um modo
geral. Diversas crenças dizem que Deus muitas vezes se manifesta através da
natureza, mas não “mexem uma palha” para preservar essa mesma natureza. Na
verdade, uma ou outra religião tem se manifestado sobre o assunto, mas numa
cidade com inúmeras tendências religiosas, a participação tem sido um tanto
quanto tímida e discreta.
É sabido que a água é usada como símbolo em
muitos cultos religiosos. Algumas vezes ela é usada em rituais de batismo,
outras para lavar escadarias e outras, ainda, para cerimônias à beira mar.
Existem, também, outras formas mais de utilizar a água e todas com um forte
significado simbólico, nas mais diversas crenças. Porém, já passou da hora das
religiões perceberem que a água não é apenas um simples símbolo. Mais do que
isso, esse líquido precioso é essencial para preservar aquilo que se tem de
mais sagrado: a Vida. Ao Ser Supremo coube criar e ao ser humano cabe preservar
a criação.
Infelizmente a maioria das religiões vem se
omitindo em relação a essa questão vital. Muitas crenças vem adotando uma
atitude tal qual Pilatos, que lavou as mãos quando se viu diante de um problema
que envolvia vida e morte. Basta de omissão!
“E disse também Deus: Ajunte-se as águas
debaixo dos céus num só lugar, e apareça a porção seca. E assim se fez. A
porção seca chamou Deus, Terra. E o ajuntamento das águas, mares. E viu Deus
que isso era bom” (Gênesis 9 e 10).
Seria importante que
todas as religiões contribuíssem, assumindo uma posição mais efetiva com relação a sobrevivência do ser humano e
de preservação da natureza. Chegou o momento de se tomar uma atitude concreta. E verá o ser humano que isso será muito bom...
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AUTOR: Paulo Cesar Paschoalini
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COMENTÁRIO: O texto acima foi publicado na página A-2 do "Jornal de Piracicaba", edição de 18.05.2001. O jornal em questão é um dos meios de comunicação mais tradicionais da região. Foi fundado no ano de 1900, cobre 13 cidades e tem tiragem estimada em 20.000 exemplares em dias úteis e 32.000 em finais e semana (sucursalsp.com.br).
Apesar de ter sido escrito há um certo tempo, trata-se de um assunto muito atual, tendo em vista as mudanças climáticas que afetam o clima do planeta, principalmente nos últimos anos. Por isso, tem sido um dos principais temas abordado pelo Papa Francisco nos Estados Unidos, na visita que terminou hoje.
Foi a minha primeira crônica publicada e aproveito a oportunidade para agradecer a Joacir Cury, na época Editor Chefe do "JP", pela gentileza em estampá-la naquela edição. Hoje, quando eu leio novamente o texto, eu o vejo com outros olhos e, certamente, o teria escrito de maneira diferente; não saberia dizer qual seria o seu conteúdo, mas sei que seria de outro modo. Afinal, transcorridos mais de 14 anos, o mundo passou por diversas transformações, assim como o contexto em que vivemos se tornou diferente. Por muita coisa ter mudado em torno de mim, sinto que eu também não sou mais o mesmo.
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