Prova
material
Penso que não existe nada mais
descontraído que um papo de botequim, desse regado a um chope gelado,
acompanhado de pessoas que a gente gosta, não é mesmo?
Além de colocar a conversa em dia,
permite que amplie nosso relacionamento social, quando em algumas oportunidades
passamos a conhecer amigos de nossos amigos, que, com o tempo, podem vir a ser
parte de nosso relacionamento pessoal também. Ou não!...
Dia desses, eu estava tomando uma
“gelada” com um amigo, quando uma outra pessoa, amigo desse meu amigo, foi
convidado a sentar-se conosco. O papo foi fluindo de maneira gostosa, começando
por preferência de comes e bebes, passando pelo futebol, é claro, e indo
desembocar no cenário político, como quase sempre acontece.
Aí o tom de voz do novo conhecido alterou-se ligeiramente. Começou a falar de maneira eloquente sobre um dos assunto
político do momento, na TV e nas redes sociais; a tal da “prova material” para
que, finalmente, possa ser processado e preso o ex-presidente Lula.
Por ele ser advogado e tucano de
carteirinha, já que tem vínculo com o PSDB, aquilo que até então era um diálogo
amistoso, sem mais nem menos, tomou a dimensão de uma fala solene em um
Tribunal, onde usava e abusava de terminologia jurídica, a fim de procurar deixar
explícita (o que julgava ser) sua “superioridade” sobre qualquer assunto.
Apesar de eu ter uma noção sobre o que
seria essa tal de “prova material”, ele fazia questão de dizer que, para quem
não é formado em Direito, não sabe bem o que está acontecendo e não entende o
caminho adotado pelo Ministério Publico Federal, para conseguir o seu intento.
Já que minha graduação não é em
Direito, pedi a ele para explicar sobre essa tal de “prova material”, a fim de
ilustrar melhor o assunto. Sem titubear, do alto de sua prepotência, que já se
fazia visível, ele me disse que, se a Polícia sabe que alguém é traficante, por
exemplo, mas se não consegue dar o flagrante no indivíduo com a posse de droga,
não existe prova material contra ele. A pessoa com certeza só vai presa se for
pega por algo “material” que a incrimine.
Aí eu disse, hipoteticamente, se estivesse
chegando na propriedade de uma pessoa qualquer, um veículo com uma quantidade
expressiva de drogas e esse tráfico fosse surpreendido pela Polícia, que estaria
no local para o flagrante na própria propriedade. Faz supor que o carro só
possa ser de um amigo do proprietário. Para finalizar o raciocínio, diante do
cenário exposto, perguntei a ele se haveria alguma possibilidade de alguém
escapar de uma grave situação como essa.
Ele repetiu os detalhes do que eu havia
dito:
– Um veículo carregado de drogas,
dentro da propriedade de um amigo particular, tendo a Polícia ali para dar o
flagrante? - Ele ainda comentou:
– Se a Polícia estava ali para isso,
aquela não devia ser a primeira vez em que alguém estaria naquele lugar levando
droga no carro, não é mesmo?
Eu acenei com a cabeça concordando, sugerindo
que aquela provavelmente não deveria mesmo ter sido a primeira vez que o
tráfico acontecia. Perguntei se existiria alguma chance dessas pessoas saírem
livres dessa situação. Então, de maneira entusiástica, ele foi taxativo:
– Os caras estão totalmente ferrados!...
Sem a menor chance!
E aí eu resolvi ampliar o raciocínio:
– Só pra exercitar a imaginação, então
quer dizer que, se o Lula tivesse um carro e a Polícia conseguisse dar um
flagrante, por exemplo, numa quantidade expressiva de cocaína no interior desse
veículo. Ele teria alguma possibilidade de ficar livre?
Novamente ele repetiu as informações:
– Espera um pouco... Um carro do Lula
cheio de cocaína?... Aí seria a Glória!... Sem nenhuma chance, flagrante e cadeia
na certa e, se bobear, abertura de processo contra pessoas próximas, como amigos,
familiares e também de aliados – ele extasiou-se. E completou:
– Isso seria o máximo! Pode esquecer
até o que está sendo investigado até agora. O artigo 33 fala em até 15 anos de
prisão para o tráfico de drogas. Isso é o suficiente para que o Lula morra na
cadeia.
Contagiado pelo ânimo exaltado do novo
conhecido, eu tornei a fazer mais uma colocação, com a intenção de “aumentar”
meus parcos conhecimentos jurídicos:
– E se ao invés de carro, o que
aconteceria se o flagrante fosse de um helicóptero, cheio de cocaína?
Para a minha surpresa, ou não, o rosto
que até então era portador de um sorriso largo, acabou por conter-se numa expressão
de desapontamento. Ele titubeou:
– Bom, aí não sei... Quero dizer... Tô
entendendo o que você quer dizer!...
Meu amigo perguntou do que se tratava e
eu lembrei a ele que, no final de 2013, a Polícia Federal prendeu em flagrante
os ocupantes de um helicóptero que levava 455 kg de pasta base de cocaína, numa
fazenda localizada no interior do Espírito Santo. O caso ficou conhecido por "Helicoca".
O helicóptero é de
propriedade do ex-Deputado Estadual Gustavo Perrela, atual Ministro dos
Esportes do governo Michel Temer, filho do Senador Zezé Perrela, amigo pessoal
de Aécio Neves e aliado do PSBD. O que chama a atenção é que a fazenda tem
dono, o helicóptero tem dono, os donos têm amigos e aliados... Mas a cocaína
não é de ninguém!
Além do mais, apesar de a lei
brasileira mencionar que aeronaves utilizadas para tráfico de entorpecentes devem
ser confiscadas, dessa vez, porém, “inexplicavelmente” (ou não), o helicóptero
de 50 milhões foi simplesmente devolvido à família Perrela e, segundo veiculado
pela imprensa e internet, o piloto está livre e dando aulas em SP. Cada um dos demais
também está por aí, “livre, leve e solto”.
Além do mais, embora os bens dos
envolvidos somem valores muito expressivos, em nenhum momento nem a Justiça “apartidária”
se preocupou, e nem a imprensa “livre e imparcial” cogitou a possibilidade de
saber se os valores são compatíveis com os rendimentos dos políticos
mencionados. Por incrível que possa parecer, nesse caso específico, nenhuma autoridade
pediu qualquer comprovação dos milhões que esses políticos possuem.
Portanto, na verdade a fazenda de fato
existe, mas não foi mencionado o proprietário. O tal veículo utilizado existe e
não é um carro do Lula, mas um helicóptero da família Perrela, com total
vínculo de pai e filho com Aécio Neves e com o governo Michel Temer.
Fui interrompido pelo advogado, que
tentou justificar:
– Bom, mas nesse caso é diferente, né?
Aproveitei, então, para afirmar
enfaticamente, com todas as letras:
– De fato, não resta dúvida, meu caro...
Como todos nós podemos ver com clareza, nesse caso é mesmo “bem diferente”! –
disse eu, justamente com ênfase no “diferente”.
Ainda assim questionei para ver se a
tal “diferença” para ele era a mesma que eu via. O “doutorzinho” tentou de
todas as maneiras achar alguma explicação convincente, mas se enrolou todo. A
saída estratégica que se utilizou foi ir ao banheiro.
Quando retornou mais contido, ele fez
questão de votar a falar sobre futebol e, curiosamente, começou a criticar a postura dos árbitros, dizendo que alguns dos chamados “juízes” atuam de maneira parcial, com
total interesse em beneficiar essas ou aquelas “cores”. Por ironia do destino,
dizia que “essa parcialidade” era um absurdo! Não demorou muito, ele decidiu ir
embora, muito antes do que eu esperava... Ou não!
Ficou a dúvida, porém, se esse pretenso
“novo” sujeito irá fazer parte do meu círculo de relacionamento, como às vezes
acontece. Pode ser que seja igual a muitas pessoas com as quais eu costumo me encontrar.
Ou, então, como foi dito pelo nobre advogado: pode ser que nesse caso, em
particular, também seja “bem diferente”!
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AUTOR: Paulo Cesar Paschoalini
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COMENTÁRIO: Vivemos num época em que
tudo é levado para o campo política. Conversas, julgamentos pessoais e
intolerâncias caminham pelo viés político, devido principalmente a postura da
mídia e das autoridades, que deveriam ser neutras, mas, lamentavelmente, por mais que queiramos pensar diferente, as suas decisões nos faz acreditar cada dia mais que se deixam levar pelo que é mais conveniente e pelo segmento que nutrem maior simpatia.
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