Deus, um delírio
1 – INTRODUÇÃO:
“Deus, um delírio”. Podemos constatar
que, do ponto de vista comercial, sem dúvida um título como esse já é capaz de
suscitar interesse de inúmeros leitores. Mas, no decorrer do livro, a impressão
que fica não é somente na questão comercial, mas objetivamente o autor Richard
Dawkins, biólogo e escritor britânico, nos mostra uma intenção mais ousada: “Se este livro funcionar do modo como espero, os
leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem”.
Desse modo, ele apresenta
seu ponto de vista sobre a crença em um deus, seja ele de qualquer manifestação
religiosa, que se inicia na doutrinação das crianças, é alimentada pelo
fanatismo e culmina por alimentar guerras mundo afora.
Com base na teoria das probabilidades,
sua intenção é desmontar um a um os argumentos daqueles que acreditam na
existência de um ser superior. Ataca todas as formas de sobrenatural e
agarra-se à ciência para afirmar categoricamente: “Sei que Deus não existe, com
a mesma convicção que Jung ‘sabe’ que ele existe”.
O que se segue neste trabalho é uma
análise da visão contida no livro desse autor, seu “orgulho ateu” e de ter um
enfoque racional alicerçado na ciência, sem, contudo, que isso mereça ser visto
como aspecto negativo nessa sua compreensão sobre o assunto.
De fato, é um ponto de vista que merece
ser lido e, apesar de polêmico, certamente irá levantar questionamentos a
respeito da visão do autor e, principalmente, sobre nossa visão particular a
respeito daquilo que cremos. Afinal,
acreditar numa divindade seria propriamente uma atitude irracional, ou mesmo
uma imposição social, como afirma o autor?
2.1
– DEUS E A CIÊNCIA:
Richard Dawkins não
relaciona Deus ao início da criação, simplesmente porque não acredita que tenha
havido um criador. A origem da vida se deve a um evento químico, ou uma série
deles, que proporcionaram reunir condições de vida e a continuidade decorrente
da seleção natural. Essa
seleção “elevou a vida da simplicidade primitiva a altitudes estonteantes de
complexidade, beleza e aparente desígnio que hoje nos deslumbram”, menciona
ele.
Desse modo, tudo o que há
no universo é plausível de explicações científicas e toda crença que possa
envolver a ideia de um ato de criação superior, existência de um deus, é
inconcebível. Segundo ele, “o cérebro humano é muito bom em construir modelos”,
atribuindo às crenças religiosas o status de meras lendas. Sendo assim, as
pessoas não seriam loucas, mas suas crenças sim.
Seu suporte
científico fica basicamente alicerçado na seleção natural, que para ele seria a
única alternativa viável, diferente da lógica criacionista, que considera ser
sempre a mesma. Aliás, acredita ser não apenas viável, mas a única verdadeira.
Ela funciona como uma mão única e cumulativa para o aperfeiçoamento.
Como cientista, é
hostil com relação à religião fundamentalista porque ela desdenha da ciência.
Diz ele que os cientistas da área da biologia são ainda mais ateus. As pessoas
mais instruídas têm menor inclinação às questões religiosas, ou qualquer tipo
de crença. Aqueles que possuem tendências teológicas, não conseguem fazer a
distinção entre o que é verdadeiro daquilo que gostariam que fosse a verdade.
De acordo com
Dawkins, os criacionistas adoram e se escoram nas lacunas deixadas por
registros fósseis, mas alerta que a ciência sempre nos mostra alguma coisa. Na
contramão dessa ideia, o fato de acreditarmos em “algo maior” não nos leva a
lugar algum e estamos simplesmente chamando de Deus nossa própria ignorância.
Muito embora sejamos
frutos de mutações consequentes de evento químico, a evolução da ciência pode
ser notada, por exemplo, com o surgimento da teoria quântica, que, para ele,
quem não se espantar com ela é porque não a entendeu. A ciência é uma forma de
racionalismo, ao passo que a religião não passa de uma superstição.
2.2 – AS RELIGIÕES
E AS GUERRAS:
Desde cedo as crianças, tanto no
cristianismo como no islamismo, são ensinadas que a fé inquestionável é uma
virtude. Todos nós somos “criaturas de Deus”, mas cada qual segundo o modo
difundido nas respectivas religiões.
Apesar de os segmentos religiosos
se colocarem numa atmosfera de harmonia e na busca da paz, o que elas fazem na
verdade é acirrar os ânimos e contribuir de maneira a acentuar as diferenças
religiosas. Embora os ensinamentos do que poderíamos chamar de “religião
moderna” não são necessariamente extremistas, os fiéis são compelidos ao extremismo.
Para ilustrar a consequência das
divergências religiosas, menciona uma frase do dramaturgo irlandês Sean O’Casey:
“A política já matou uns bons milhares,
mas a religião já matou umas boas dezenas de milhares”. Também acrescenta uma
citação do físico norte-americano Steven
Weinberg: “A religião é um insulto à dignidade humana. Com ou sem ela,
teríamos gente boa fazendo coisas boas e gente ruim fazendo coisas ruins”.
Esses dois exemplos mostram a maneira negativa com que
Dawkins enxerga a influência das religiões. Para ele os homens são capazes de
cometer o mal de maneira plena quando movidos pelo entusiasmo de suas
convicções religiosas.
Em favor dos ateus, como ele, afirma que pessoas que não
crêem em Deus podem cometer maldades, mas não as fazem em nome o ateísmo. Por
outro lado, ao observarmos a história, podemos ver com freqüência conflitos que
foram movidos pelas religiões. Diz, ainda, que as pessoas são capazes de atos
de insanidades em nome da fé.
Numa
obra repleta de frases que criticam as questões religiosas, a maioria de
autores relativamente recentes, ele também se vale de uma citação de Sêneca
para reforçar sua tese: “A religião é considerada verdade pelas pessoas comuns,
mentira pelos sábios e útil pelos governantes”.
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Em
“Deus, um delírio”, Richard Dawkins deixa patente que sua aversão pelas
religiões é algo que está acima do fato de ser ateu. Sua paixão pela ciência fica
evidente na citação de uma frase de Carl Sagan: “Quando estamos apaixonados,
queremos contar ao mundo todo. Este livro é uma declaração pessoal, que reflete
meu caso de amor de vida inteira com a ciência”.
Apesar
de muito bem escrito, amparado em frases de efeitos e muitos conceitos, entendo
que um dos pontos capazes de gerar polêmica é a linguagem agressiva dos textos,
quando se utiliza do termo “ignorância” de maneira pejorativa, com o propósito
de diminuir quem “se atreve” a pensar de maneira diferente da dele.
Apresenta
suas teorias com convicção e intenção explícita de “converter” os crentes
religiosos em ateus.
Menciona, por exemplo, que a religião convenceu as pessoas
que existe um homem invisível, que vigia tudo e que vai punir com fogo por toda
a eternidade quem não cumprir as dez coisas de uma lista especial... E ironiza:
“Mas Ele ama você”.
Podemos
observar que o autor se utiliza de trechos como esse para dar suporte aos seus
conceitos, o que é perfeitamente válido. Porém “peca” ao conferir a eles o
valor de “uma prova”, quando na verdade se trata de um ponto e vista. Afinal, a
crítica a essa visão transmitida pela religião cristã não prova que Deus não
existe, apesar nos levar a admitir ser um contra-senso a existência de um “ser
superior” com características que transitam de um sublime amor a eternas
punições.
O
livro mostra-se importante quando dá uma “chacoalhada” na imposição das crenças
religiosas, que somos obrigados “a engolir” desde criança. Nossa atitude
passiva de aceitação por inércia fica realmente abalada quando confrontada pela
forma contundente com que o autor apresenta suas teses.
Todavia, ao contrário das
pretensões do autor, fica a dúvida se sua obra seja realmente capaz de
transformar seus leitores em “ateus de carteirinha”.
4 – REFERÊNCIA:
DAWKINS, Richard, Deus, um delírio. São Paulo: Companhia
as Letras, 2007.
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AUTOR: Paulo Cesar
Paschoalini
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COMENTÁRIO: Trabalho do componente
curricular de AACC - Atividade Acadêmica Cultural e Científica, apresentado
durante a graduação em Licenciatura em Filosofia, pela Faculdade
"Claretiano - Rede de Educação", Polo de Rio Claro-SP.
Tenho uma dificuldade
particular em aceitar imposições, sejam elas de qualquer natureza. Aliás, para
mim, qualquer tipo de imposição não pode ser considerada natural, mas sinal de limitação e frustração pessoal. Num mundo reinado pela dúvida, os que se consideram “donos da verdade”
carregam um visível fardo de insatisfação para consigo mesmos. Tenho minhas
convicções pessoais, certas para alguns, equivocadas para outros, contudo sempre
escancaradas para novas reflexões e trancadas para toda e qualquer forma de imposição.
Dawkins não conseguiu me convencer do seu intento. Como questionamento, acredito
que o livro tem seu valor, mas o ponto negativo foi a prepotência do autor. Tanto
ateus, como aqueles que creem, não me incomodam quando às suas crenças, ou não.
Desde, porém, que considerem o que pensam como “opinião pessoal” e não como “verdade
universal” e que, principalmente, respeitem pontos de vista antagônicos.
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