Discurso Maniqueísta
Hoje em dia o mundo todo está chocado com os atentados terroristas aos Estados Unidos. O que pudemos ver à exaustão pela televisão nos últimos dias, nos deixou perplexos e com um sentimento de impotência diante de tamanha barbárie. Aliás, atitudes extremas como as que vimos, não são apenas uma característica do homem contemporâneo. O termo “barbárie” origina-se das atividades extremas dos chamados “bárbaros”, povos estabelecidos na Europa, cujas atrocidades atingiram o seu auge por volta do final do século IV, através de suas ofensivas militares. Talvez a diferença mais significativa é que naquela época a matança era feita por avanços terrestres ou marítimos, com o uso de barcaças, enquanto que atualmente os agressores se utilizam de aviões e de toda a tecnologia disponível para atingirem os seus objetivos nefastos.
Nesses poucos dias após os ataques, uma das coisas que mais tem chamado a atenção é a postura do presidente George W. Bush. Os insistentes anúncios da necessidade de uma retaliação obsessiva tem despertado preocupação geral e deixado o mundo em estado de alerta. A declaração de guerra ao Afeganistão e um consequente ataque à capital Cabul, provocaria também a morte de centenas ou milhares de civis afegãos, numa visível intenção de vingar mortes absurdas de inocentes com mais mortes igualmente absurdas. Parodiando Gandhi, a história nos mostra que atitudes baseadas no “olho por olho, dente por dente” tem deixado a humanidade cada dia mais cega e banguela.
Os discursos inflamados do presidente americano nos remetem à Pérsia do século III, época em que Manés Mani formulou a sua doutrina, segundo a qual o universo é fruto da criação de dois princípios opostos que se combatem: o bem, Deus, e o mal, o diabo. Apesar de no universo existirem forças antagônicas como a luz e as trevas, o que mantém a harmonia dessas forças naturais é o equilíbrio, como tão bem define Pitágoras: “O universo é uma harmonia de contrários”. Portanto, os constantes pedidos do presidente Bush visando apoio para o que ele chama de “a batalha monumental do bem contra o mal” nos leva a uma reflexão do que realmente seria o bem e o mal em sua essência.
Não se pode dizer que os Estados Unidos representam a melhor definição do que seria o Bem. A desumana política de globalização orquestrada pelos americanos, com certeza já chegou a causar a morte por miséria, só neste ano e em todo o mundo, muito mais do que os atentados ocorridos em 11 de setembro último. Isso sem falar que lá na terra do Tio Sam, americanos insanos também cometem ataques violentos e absurdos contra seus próprios compatriotas. Por outro lado, não podemos dizer que o Afeganistão ou outros países de origem árabe são a exata tradução do que é o Mal por excelência, já que não é só de terroristas suicidas que vive o Oriente Médio. Vale lembrar que até antes das intervenções externas, aquela região asiática era o cenário de uma rotina normal e o estilo de vida do lugar inspirou os fabulosos contos como o das “Mil e uma noites”, repletos de sonhos e fantasias.
Assim como todo ser humano tem o bem e o mal em conflito dentro de si, todos os países tem esses dois sentimentos adversos, que se manifestam através de atitudes positivas ou negativas de seus cidadãos. Infelizmente, na maioria das vezes, ficam mais evidenciados os absurdos do fanatismo religioso e a desmedida ganância de quem detém o poder econômico.
É preciso enfatizar que quaisquer atitudes que tiram a vida de seres humanos devem ser repudiadas com veemência por todo o mundo civilizado, principalmente os ataques terroristas ou qualquer outro tipo de violência, e seus autores devem ser punidos exemplarmente. Contudo, cabe o questionamento se todos esses injustificáveis ataques são uma ação ou reação de seus agressores.
Mais importante do que saber se de agora em diante o que ficará em destaque é a ferocidade do capitalismo ou as atrocidades do terrorismo, é torcer para que, das lágrimas derramadas no presente, brote tão somente um sentimento de humanismo para o futuro.
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AUTOR: Paulo Cesar Paschoalini
- Crônica publicada na página A-2 do JORNAL DE PIRACICABA, de 18.09.2001
Nesses poucos dias após os ataques, uma das coisas que mais tem chamado a atenção é a postura do presidente George W. Bush. Os insistentes anúncios da necessidade de uma retaliação obsessiva tem despertado preocupação geral e deixado o mundo em estado de alerta. A declaração de guerra ao Afeganistão e um consequente ataque à capital Cabul, provocaria também a morte de centenas ou milhares de civis afegãos, numa visível intenção de vingar mortes absurdas de inocentes com mais mortes igualmente absurdas. Parodiando Gandhi, a história nos mostra que atitudes baseadas no “olho por olho, dente por dente” tem deixado a humanidade cada dia mais cega e banguela.
Os discursos inflamados do presidente americano nos remetem à Pérsia do século III, época em que Manés Mani formulou a sua doutrina, segundo a qual o universo é fruto da criação de dois princípios opostos que se combatem: o bem, Deus, e o mal, o diabo. Apesar de no universo existirem forças antagônicas como a luz e as trevas, o que mantém a harmonia dessas forças naturais é o equilíbrio, como tão bem define Pitágoras: “O universo é uma harmonia de contrários”. Portanto, os constantes pedidos do presidente Bush visando apoio para o que ele chama de “a batalha monumental do bem contra o mal” nos leva a uma reflexão do que realmente seria o bem e o mal em sua essência.
Não se pode dizer que os Estados Unidos representam a melhor definição do que seria o Bem. A desumana política de globalização orquestrada pelos americanos, com certeza já chegou a causar a morte por miséria, só neste ano e em todo o mundo, muito mais do que os atentados ocorridos em 11 de setembro último. Isso sem falar que lá na terra do Tio Sam, americanos insanos também cometem ataques violentos e absurdos contra seus próprios compatriotas. Por outro lado, não podemos dizer que o Afeganistão ou outros países de origem árabe são a exata tradução do que é o Mal por excelência, já que não é só de terroristas suicidas que vive o Oriente Médio. Vale lembrar que até antes das intervenções externas, aquela região asiática era o cenário de uma rotina normal e o estilo de vida do lugar inspirou os fabulosos contos como o das “Mil e uma noites”, repletos de sonhos e fantasias.
Assim como todo ser humano tem o bem e o mal em conflito dentro de si, todos os países tem esses dois sentimentos adversos, que se manifestam através de atitudes positivas ou negativas de seus cidadãos. Infelizmente, na maioria das vezes, ficam mais evidenciados os absurdos do fanatismo religioso e a desmedida ganância de quem detém o poder econômico.
É preciso enfatizar que quaisquer atitudes que tiram a vida de seres humanos devem ser repudiadas com veemência por todo o mundo civilizado, principalmente os ataques terroristas ou qualquer outro tipo de violência, e seus autores devem ser punidos exemplarmente. Contudo, cabe o questionamento se todos esses injustificáveis ataques são uma ação ou reação de seus agressores.
Mais importante do que saber se de agora em diante o que ficará em destaque é a ferocidade do capitalismo ou as atrocidades do terrorismo, é torcer para que, das lágrimas derramadas no presente, brote tão somente um sentimento de humanismo para o futuro.
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AUTOR: Paulo Cesar Paschoalini
- Crônica publicada na página A-2 do JORNAL DE PIRACICABA, de 18.09.2001
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Este texto foi publicado no Jornal de Piracicaba exatamente uma semana depois do fatídico 11 de setembro de 2001. Lembro-me que, na ocasião, recebi inúmeros e-mails, telefonemas e cumprimentos pessoais pela crônica. A intenção de inserí-la aqui no blog é mostrar que, decorridos treze anos, o texto continua sendo atual, já que o mundo quase nada mudou. Fica a esperança utópica de que um dia ainda possamos viver num mundo menos desigual e mais humano.
Gostaria de registrar meu agradecimento especial a Joacir Cury, na época Editor Chefe do "JP", pela publicação desta crônica. Foi ele quem me abriu as portas, possibilitando que outros textos meus viessem a conhecimento público, o que serviu de incentivo para que eu me enveredasse também por esse estilo.
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