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terça-feira, 24 de maio de 2022

MINHA CRÔNICA:

Divinos retalhos: 



_____Estamos no mês de maio. Apesar de que a comemoração do “Dia das Mães” ocorra sempre nas primeiras semanas, o comércio, de maneira muito hábil, convencionou chamá-lo de “Mês das Mães”. Existem ainda outras referências para o mês em curso, muitas relacionadas à figura da mulher. 

_____Neste texto, vou ater-me a falar sobre “Mãe”, mais precisamente sobre a minha mãe. O nome dela é Davina, que, segundo seus familiares, originou-se em razão dela ter nascido no “Dia de São Davi”. Muito embora minha pesquisa na internet indique como sendo outro o santo comemorado no dia 19 de agosto, naquela época era a informação que se tinham sobre a data. 

_____O fato de tratar-se de um nome incomum trouxe (e ainda traz) certo desconforto, em razão de ela ter que normalmente repeti-lo quando solicitado. Num primeiro momento, quase sempre é entendido como sendo “Divina” ou mesmo “Malvina”, ou até outro nome parecido. Desse modo, para corrigir a outra pessoa, ela tem que pronunciar pela segunda vez, mais pausadamente e com certa ênfase. 

_____Dona Davina é natural de Piracicaba, cidade interior do estado de São Paulo. É descendente de italianos (famílias Verdicchio e Rossini), casada com o Sr. Armando (91 anos), também de famílias de origem italiana (Paschoalini e Parisotto). Tiveram 7 filhos, sendo que dois deles já faleceram. Tem 12 netos (uma neta falecida) e um bisneto. 

_____Tanto ela como meu pai nasceram na zona rural. A vida sempre foi muito difícil, uma vez que o cultivo de cana-de-açúcar era uma tarefa que exigia muito sacrifício. Além de o trabalho pesado tomar o dia todo, o acesso à escola era limitado ao quarto ano primário. A vida era restrita à lavoura, sem outra perspectiva futura. 

_____Quando tinham dois filhos mudaram-se para cidade, literalmente sem um único centavo no bolso, com objetivo de dar às crianças melhores condições de vida. Enquanto meu pai era operário numa indústria metalúrgica, minha mãe cuidava dos serviços da casa e dos filhos que vieram depois. Uma atividade e tanto! 

_____Recordo das residências onde moramos, cada qual com sua característica e significado para a época. Em todas elas ficou a atenção dispensada aos filhos e em cada cozinha o mesmo cheiro de tempero da comida ‘da mamma’, com sabor de ‘manja que te fa bene’

_____Quando tinha seis filhos, além das atribuições domésticas, durante certo tempo ela chegou a fazer bordado em peças de cama e mesa para uma empresa de tecidos, a fim de complementar a renda. Acredito que desde então começou a vir à tona suas habilidades, que derivou de alguns ensinamentos adquiridos de minha avó. 

_____Também herdou a facilidade em lidar com a máquina de costura, ocupando-se em confeccionar roupas para os filhos, além de pequenos remendos cerzidos com capricho, executados nas peças que mereciam tal empreitada. 

_____De tudo isso me vem à mente muitas lembranças, algumas delas ainda nítidas, outras num cenário translúcido. São pedaços de memória, feito retalhos de tempo. E é justamente aqui que eu gostaria de me debruçar de maneira especial; nos retalhos. 

_____Quando chegava o inverno, os pijamas de flanela costurados por ela nos protegiam das noites frias. Também havia cobertores para nos aquecer, mas nada se comparava ao aconchego das colchas de retalhos que ela fazia... E ainda faz! 

_____Dona Davina vai completar 89 anos no próximo mês de agosto e continua a praticar sua arte e a desenvolver lindas peças. Munida do material a ser descartado por pequenas confecções da cidade e movida pela inspiração, ela concebe em sua mente a colcha a ser criada, recortando milimetricamente os retalhos no devido tamanho e formato. Para se ter uma ideia da complexidade, uma das colchas mostradas na imagem (primeira a direita) contém 1.200 retalhos. Em seguida, monta os quadros em simetria, juntando-os lado a lado, até adquirirem o aspecto imaginado. Costura todos eles e, para finalizar, coloca o forro como última etapa do processo. 

_____Acredito que ficaria difícil de saber com exatidão quantas unidades ela já fez, mas foram muitas dezenas. Eu mesmo tenho três delas. Isso sem contar tapetes e almofadas, também feitos com retalhos de tecidos. Nunca vendeu nenhuma peça; sempre as fez de bom coração para serem oferecidas como presente para pessoas de seu convívio pessoal. Ultimamente costurou uma colcha para uma conhecida que mora sozinha e enfrenta algumas dificuldades; outra, para uma pessoa cadeirante, que ela conheceu há pouco tempo. Afinal, o inverno está se aproximando. 

_____É interessante pontuar que todos os filhos têm um particular dom artístico, que certamente foi herdado. No meu caso, por exemplo, eu aprendi a alinhavar as palavras, fazendo dos pedaços de azul um pouco de céu ou mar e das frações amareladas eu descrevo o por do sol ou o brilho da lua. Das fatias marrons eu faço terra e das verdes eu as transformo em relva. Ainda, de fragmentos das demais cores imaginadas eu faço brotar um jardim repleto de pétalas e flores, de todos os tons. 

_____Agradeço a ela cada retalho de vida, especialmente aqueles que têm a forma de carinho e dedicação, todos eles sem tamanho, que foram costurados com cuidado materno, ponto por ponto, com as linhas mescladas do tempo. 

_____Convido os leitores a verem as imagens de algumas peças que ela fez (tem muito mais), acessando o link abaixo: 

BLOG PIRAFRASEANDO: 

_____O nome dela é Davina... Mas se alguém se referir a ela como sendo “Divina”, penso que não estaria de todo equivocado, não é mesmo?! 

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AUTORPaulo Cesar Paschoalini
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 < CURRÍCULO LITERÁRIO E PREMIAÇÕES > 
COMENTÁRIO: O texto foi publicado no blog da "Revista Vicejar" em 24.05.2022, onde o escritor possui vários textos de sua autoria, atuando como Colaborador do blog e do site. Para ler mais acesse:
BLOG DA REVISTA VICEJAR: http://revistavicejar.blogspot.com/
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