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terça-feira, 28 de julho de 2015

MINHA CRÔNICA:

A sorte mora num fim de mundo


Quantos de nós fazemos lá a nossa “fezinha”, nas mais diversas loterias, torcendo para que a sorte venha bater à nossa porta. E não é que, entra semana, sai semana, e nada dela encontrar o nosso endereço, não é verdade? Quem de nós nunca teve a curiosidade de saber onde ela reside? Aí pensei comigo mesmo: bem, já que ela não vem até mim, que tal eu sair a procura dela? Mas, de fato, onde será que mora a tal da sorte?

A dúvida persistiu por muito tempo, até que, por semanas e mais semanas acompanhando o resultado das loterias da Caixa Econômica Federal, eu pude encontrar pelo menos uma pista sobre ela. Toda vez que sai o prêmio de alguma loteria acumulada, especialmente a Mega-Sena, para um único apostador, é comum ouvir de qualquer cidadão: “Puxa vida; saiu para alguém que mora lá num fim de mundo!”

Então concluí: a sorte mora num fim de mundo. Se bem que o conceito de “fim de mundo” é muito relativo. Para quem mora no estado de São Paulo, como é o meu caso, qualquer pequena cidade dos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por exemplo, são o que popularmente se convencionou chamar de cafundó. Já para quem vive nessas regiões, nós do Sul ou Sudeste é que fazemos parte do fim de mundo.

Não me refiro às capitais ou cidades consideradas de grande porte. Quero dizer vilarejos que muitas vezes “nem constam do mapa”. São cidadezinhas sem qualquer infra-estrutura que, como costumam dizer, estão por conta do destino, dependendo da piedade divina, ou, ainda, entregues à própria sorte. E não é que a sorte tem cuidado bem delas! Basta acumular uma considerável soma em dinheiro em qualquer das loterias existentes, que a “bolada” invariavelmente acaba saindo para um único apostador de um lugarejo qualquer.

Isso mesmo: a sorte costuma subverter qualquer probabilidade matemática, indo cair nas mãos de um cidadão que muitas vezes fez um, ou, no máximo, dois joguinhos. Com tanta gente vivendo nos estados mais populosos do país e, conseqüentemente, tendo o maior número de apostas, era de se supor que, matematicamente, seriam premiados mais apostadores das regiões Sul e Sudeste. Contudo, poucas vezes um sujeito dessas regiões leva a “bolada”. Não que apostadores desses estados não ganhem na loteria, mas, quando acumula, curiosamente costuma sair para uma só pessoa e de um lugar que nunca, ou pouco se ouviu falar. 

Às vezes chego até a pensar que a tal da sorte tem exercido um papel quase que social. Em razão da incompetência das autoridades, parece ter incorporado Nêmesis e sua justiça distributiva, chamando para si a responsabilidade de resolver o problema de concentração de renda. Dessa forma, tem voltado a sua atenção para os menos favorecidos, independente de qualquer prognóstico.    

É bom ressaltar que em 2010, no concurso 1.155 da Mega-Sena, um único cartão teria sido premiado com pouco mais de R$ 52 milhões, em Novo Hamburgo, considerada uma cidade de grande porte do Rio Grande do Sul. Porém, o dono da lotérica “Esquina da Sorte” alega que uma funcionária se esqueceu de fazer o jogo. Para cerca de 40 apostadores, a sorte deu as caras, mas acenou e virou a esquina, deixando todos, inclusive, pobres de esperança.

A despeito disso tudo, muitos chegam a colocar em dúvida os sorteios realizados pela CEF. Entretanto, eu não sou o tipo de sujeito que engrossa essa lista. Afinal, são realizados com presença de grande público e suponho que sejam fiscalizados e devidamente auditados. Tenho aqui comigo que os sorteios dos concursos são 99% confiáveis. O tal do um por cento restante fica por conta de alguns desvios verificados ao longo dos anos. Para quem não se lembra, ou desconhece, vale recordar, por exemplo, o caso do já falecido ex-deputado federal João Alves, que ganhou na loteria cerca de 200 vezes. Vá ter sorte assim lá no cafundó! Pois é, geralmente é lá mesmo.

Ao ler tudo isso, alguém poderia perguntar se, por acaso, eu nunca vou a uma Casa Lotérica fazer uma “fezinha” de vez em quando. Mas claro que faço! Uma vez ou outra eu arrisco, sim! Aí, então, toda vez que eu fico na fila, aguardando a minha vez de fazer o jogo e sonhar com uma “bolada”, eu me encho de esperança e ilusão pensando: quem sabe a sorte se canse um pouco daquela vida pacata de cidadezinha e resolva vir para um centro mais populoso...

Poderia ser aqui em Piracicaba, por exemplo. Sendo assim, vá que de repente eu e a sorte grande nos encontremos um dia, heim?!

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AUTOR: Paulo Cesar Paschoalini
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COMENTÁRIO:
O texto acima recebeu a 3ª Menção Honrosa no "XXXVIII Concurso Literário Felippe D'Oliveira - Edição 2015", da cidade Santa Maria-RS, sendo um dos 7 selecionados na modalidade "Crônica", categoria Nacional, dentre 176 crônicas apresentadas, nesse certame que teve a participação de candidatos de 15 estados do Brasil, além de Japão, Itália e Inglaterra.
Esse texto foi publicado neste blog em 24.05.2010, mas foram feitas pequenas correções e revisões no original, para envio ao concurso mencionado. Ao todo, foram cerca de "meia dúzia de palavras", no entanto, sem alteração substancial na extensão ou no conteúdo. Mesmo depois das revisões, pode ser que ainda haja alguma correção a ser feita.
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