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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

MINHA CRÔNICA (E MÚSICA):

Nas margens da saudade



MÚSICA: Nas margens da saudade
- Composição: Alex, Zé Roberto e Paulo Paschoalini
- Interpretação: Dênis e Zé Roberto

É triste olhar p'ro rio do jeito que está agora;
lugar onde o peixe pára, só pára poluição.
Correnteza de ambição levou a beleza embora;
seu leito corta a cidade e também corta o coração.
       
No tempo da seca eu choro o esgoto a céu aberto;
no tempo da chuva eu sei, que o céu vai chorar, por certo.
No leito estão as marcas da vida que teve outrora;
nas margens estão os restos da morte em que está agora.

O rio que conduz a vida p'ro seio da natureza,
toda vez que tem enchente provoca tristeza e dor.
Morador ainda insiste em remar contra a correnteza.
O choro da cachoeira é o lamento do Criador.

Animais morrem de sede, aves vão em revoada;
plantas perdem todo o verde, até não sobrar mais nada.
Não vê que matando o rio morre também a cidade;
porque quem semeia vento só vai colher tempestade.

Tem mandi e tem cascudo ainda sobrevivendo;
cardumes de lambaris resistem até demais;
o jaú e o pintado estão desaparecendo;
o dourado que reinava sumiu algum tempo atrás.

Os peixes de muitos quilos hoje eu pesco na memória;
peixe grande como aqueles, só se for contando história. 
Pescador conta mentira, mas hoje diz a verdade;
se eu jogar o anzol no rio só vou fisgar a saudade.

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Nasci e ainda moro em Piracicaba, que tem como uma de suas atrações mais conhecidas e encantadoras o Rio Piracicaba, cujas belezas foram fonte de inspiração para músicas, que sempre exultaram o que ele tem de belo, no estilo sertanejo, ritmo característico da região.

Mas o que nos motivou a compor essa música foi justamente o oposto. O descaso recorrente que tem vitimado todo o entorno que habitam a bacia hidrográfica conhecida como 
Consórcio PCJ, composta pelos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que dia após dia vêm se degradando e as autoridades fazem questão de não enxergar.

Porém, o mais alarmante é que esse não é um caso isolado, se levarmos em consideração os noticiários sobre ecologia, que abordam em especial a gestão pública de gestão dos recursos naturais, em especial os mananciais, que não recebem a devida atenção, devido à sua vital importância.

Chegamos a um ponto do chamado “desenvolvimento social”, quando devemos nos questionar a respeito do que se entende como sendo “progresso”. Para o cineasta italiano Gillo Pontecorvo, “O progresso é tudo aquilo que diminui o poder de um homem sobre outro homem.”

Desse modo, a industrialização desenfreada deixa evidente o poder que um homem (ou grupo de homens) exerce sobre aqueles classificados como “inferiores” na hierarquia social. A distância entre a classe dominante e a imensa maioria de dominados nunca foi tão visível e brutal.

Sendo assim, aquilo que se convencionou chamar de “desenvolvimento”, pode ser considerado somente do ponto de vista tecnológico, uma vez que a questão humana ficou relegada a um segundo ou terceiro plano.

Na natureza, o ser humano passou a ser somente um mero “detalhe” e o próprio meio ambiente tornou-se vítima do poder econômico. A água, que é considerada início da vida e fator essencial para mantê-la, agora é o símbolo mais emblemático dessa negligência.

Talvez um dos retratos ambientais do mundo atual seja constatar que a vida de uma cidade deve-se, normalmente, à presença de um rio nas proximidades; ao mesmo tempo, a morte de um rio ocorre, principalmente, pela existência de uma cidade nas imediações.

E a vida segue! Mas como?... E até quando?...

Fica aqui esse grito de alerta, antes que se perceba que possa ser tarde demais!!!

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TEXTO: Paulo Cesar Paschoalini
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COMENTÁRIO: O texto foi publicado na "Revista Vicejar", em 01.08.2019, onde o escritor possui vários textos de sua autoria, atuando como Colaborador do Blog. Para ler mais acesse:
LINK DO TEXTO: https://revistavicejar.blogspot.com/2019/08/nas-margens-da-saudade.html .
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