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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

MINHA CRÔNICA:

Fábrica de heróis


A mídia costuma colocar em evidência pessoas e seus grandes feitos, mas às vezes exagera! É comum nos depararmos com capas de revistas ou manchetes de jornais, dando ênfase a essa ou aquela figura de destaque. Um fato marcante para mim foi a capa da “Veja”, conhecida revista semanal, quando numa das edições de agosto de 2010 (portanto, já faz tempo) trouxe uma foto do nadador brasileiro César Cielo, com a seguinte manchete: “Enfim, um herói”. Sem dúvida uma justa homenagem a esse atleta. No entanto, o que me chamou a atenção foi o termo “herói”. Mas, afinal, necessitamos realmente de heróis?

Eu sempre tive comigo que “herói” é aquele sujeito capaz de colocar a própria vida em risco, para salvar alguém ou algo de muita relevância, muito próximo ao mencionado no dicionário Aurélio: “Homem extraordinário por seus feitos guerreiros, seu valor ou sua magnanimidade”. É claro que tem expressivo valor o fato de Cielo ter batido recorde e conquistado duas medalhas de ouro no Mundial da modalidade, realizado em Roma. Por esse feito extraordinário, eu diria que ele é o mais novo ídolo do esporte brasileiro. Porém, seria isso um ato de heroísmo?

Não sei se rotular alguém de herói é imposição da mídia ou necessidade da sociedade. Curiosamente, a imprensa tem usado o “herói” sempre vinculado a uma figura do esporte. Como exemplos, a crônica esportiva se esbaldou em chamar a seleção de 1970, com Pelé & Cia., de “Heróis do Tri”. Depois, recordo que o termo foi amplamente associado à figura de Ayrton Senna, tanto durante sua brilhante trajetória automobilística, como, principalmente, depois de seu falecimento, em maio de 1994. Meses depois a mídia já tratou de cultuar a figura de Romário como novo “herói”, em razão da conquista do tetracampeonato na Copa do Mundo daquele mesmo ano.

Por sua vez, assim que o “Baixinho” começou a sair de cena, inclusive pela dificuldade um driblar polêmicas fora dos gramados, eis que surge em 1997 o tenista Gustavo Kuerten, que conquistou pela primeira vez o título de Roland Garros, um torneio do chamado Grand Slan, que seria a “nata” do tênis mundial. A repetição da conquista por mais duas vezes e o carisma de Guga colocaram-no como “herói” por algum tempo, até que o “cargo ficou vago” à espera de um novo sucessor.

Aí, então, chegou César Cielo. Convém lembrar que, a cada interlúdio, dava-se destaque aos “heróis” de algumas das diferentes gerações do vôlei. Depois de o Brasil sagrar-se campeão da Copa do Mundo de 2002, foi a vez de Ronaldo Fenômeno e, recentemente em 2016, nos Jogos Olímpicos no Brasil, Neymar tornou-se o grande herói, devido a conquista inédita da medalha de ouro no futebol.

Entendo que o uso estaria inadequado, quase que banalizando um termo tão nobre. Entretanto, a vulgarização da palavra “herói” alcançou seu ápice quando participantes dos inúmeros BBB eram chamados de “meus heróis!”. Salvo nesse caso, não me recordo de ter ouvido o termo “herói” em qualquer outro segmento que não o esportivo. Mas será que heróis são somente aqueles que praticam esporte? Não existiria outro caminho para atos de heroísmo? O ideal não seria classificá-los como “ídolos”, o que, certamente, já seria uma grande deferência a atletas de renome?

A meu ver, heróis são aqueles anônimos, que diuturnamente se dedicam e se arriscam para melhorar ou salvar a vida de outro ser humano. Destaque para os profissionais da área de saúde, que atendem pessoas com doenças infectocontagiosas, por exemplo. Também os bombeiros, que frequentemente arriscam suas vidas, ou policiais, que, armados de um simples 38, enfrentam marginais munidos de armas de alto calibre. Convém lembrar que os meios de comunicação dão muito mais destaque para fatos envolvendo policiais corruptos, que para aqueles feridos ou mortos no cumprimento do dever.

Além desse, podemos também incluir os professores, com a sua vocação de salvar a sociedade da ignorância. Enfim, temos, principalmente, o cidadão comum, que arregaça as mangas toda vez que uma catástrofe natural se abate sobre determinadas regiões do país. Ou, ainda, os mais diversos trabalhos voluntários praticados por abnegados no Brasil e no mundo afora.

Para a maioria, as palavras “heróis” e “ídolos” se confundem. Existem algumas diferenças que entendo como significativas e relevantes. O ídolo é aquele sujeito que treina exaustivamente para aprimorar os dons que a natureza lhe deu, seja no esporte ou nas mais diversas expressões artísticas, algo que merece destaque na imprensa quando bem sucedido. Já o ato de heroísmo é aquele quase sempre praticado por alguém do povo, que decide agir com bravura numa fração de segundos. Na maioria das vezes é movido por gestos de humanidade, mesmo sem se dar conta do perigo a que está se submetendo.

É curioso notar que um ídolo normalmente é elevado à condição de herói e mantém seu lugar no “Olimpo” até quando perdure o interesse da mídia. Durante esse período, tem a oportunidade de engordar a sua conta bancária e ocupar as principais manchetes. Quando morre, é reverenciado pelos órgãos de comunicação e sua perda é lamentada por outros que, na maioria das vezes, também já se beneficiaram de exposições nessa oportunidade.

Já o cidadão comum, quando comete um verdadeiro ato de heroísmo, nunca alcança a condição de ídolo, sendo condenado ao ostracismo. Seu padrão de vida será o mesmo de sempre e o interesse dos jornais e revistas, quando acontece, é de umas poucas linhas no rodapé de uma coluna qualquer, mantendo-se para sempre no anonimato, até que a morte o leve daqui, sem que tenha recebido o merecido reconhecimento.

Por falar em termos usados pela imprensa, eu destacaria um outro, em particular, largamente publicado: “Congresso”. Em muitos casos, sempre associou-se o termo “Congresso” a eventos científicos mundo afora, como Congresso Latino-Americano, ou Mundial, por exemplo. Pessoas merecedoras de imensa admiração e respeito reconhecido. Hoje o termo está tão desgastado que os pesquisadores e cientistas chamam tais eventos de Simpósios ou Conferências, talvez por não carregarem o rótulo pejorativo de “congressistas”.

Aí o leitor poderia perguntar: o que tem a ver “ídolo” e “herói” com “congresso”? De fato, rigorosamente nada (talvez). No Congresso Nacional, em Brasília, não temos nenhum ídolo, muito embora na reeleição de muitos deles fique caracterizada certa idolatria de parte do eleitorado. Herói, com certeza, nenhum deles é. Pelo contrário, a maioria está mais para “anti-heróis”, ou porque não dizer, “vilões”.

A única relação entre o início e o final desse texto é que agora eu chego a conclusão de que realmente estamos precisando de herói... Mas herói de verdade! Aliás, super-herói! Se bem que eu creio que apenas UM não conseguiria dar conta de tantos inimigos do povo. O melhor seria que tivéssemos muitos super-heróis, já que o que mais temos ouvido ultimamente é que existe no cenário político “dessa gente” tantas denúncias, que chegam até a “sair pelo ladrão”.

Ladrão???... Opa!!!...

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TEXTO: Paulo Cesar Paschoalini
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COMENTÁRIO: O texto foi publicado na "Revista Vicejar", em 09.11.2018, onde o autor é colaborador, sendo que seus textos são publicados regularmente. Para ler mais acesse:
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LINK DO TEXTO:
http://revistavicejar.blogspot.com/2018/11/fabrica-de-herois_20.html.
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